quinta-feira, 11 de outubro de 2012


Acordei tarde, o sol já ia alto. Apercebi-me de que iria precisar de um relógio (de preferência despertador), pois estava completamente perdida no tempo, sem noção de horas e sem vontade nenhuma de as ir descobrir. A preguiça era tanta! Se o meu tutor, o Pedro, me visse, se imaginasse que eu ainda estava na cama, matava-me! Obrigava-me logo a tomar um duche de água fria e fazer uma vasta gama de exercícios. Lembro-me de que, por vezes, ele apanhava com o meu mau humor, tão cómico para ele, e que, quando a minha irmã decidia “aparecer”, ele ainda não era capaz de se sentir completamente à vontade comigo. Era como se aquilo o assustasse, como se tivesse medo que lhe fizesse algum mal. De início, incomodava-me aquela sua atitude pois sentia-me incomodada, tinha medo que ele me julgasse ou que corresse ao mundo dizendo que eu era uma aberração, mas com o passar do tempo ele foi-se habituando e eu apurei o meu sentido de humor em relação a este assunto e entrava na brincadeira: assustava-o, dizia que o ia amaldiçoar, entre outros. Resultou durante uns tempos, depois ele passou a conhecer-me melhor e a saber quando eu estava a fingir.
Senti uma repentina falta do Pedro. Afinal, ele era o único amigo que eu tinha. Em seis anos, o Pedro foi o meu único companheiro. Era ele que me ajudava em tudo, era ele que brincava comigo, foi ele que me deu a conhecer o mundo. Era como se fosse um irmão mais velho. Ai se ele estivesse a ler os meus pensamentos…ficava tão convencido que nunca mais ninguém o calava e eu nunca mais poderia resmungar pelas suas exigências porque afinal até gostava da forma de ensino dele. Ainda bem que a única “anormal” ali era eu!
Ri-me com esta afirmação. Fitei o quarto com os olhos à procura do meu telemóvel para consultar as horas. Lá estava ele: em cima da cómoda. Mas porquê ali?! Para consultar as horas teria de me levantar e de me arrastar praticamente para ver apenas as horas, só para saber se acordei muito tarde ou se já eram horas de fazer alguma coisa! Mas ainda não tinha fome, não tinha vontade de sair da cama…para quê fazer o sacrifício de sair daquele ninho confortável, se o meu corpo não o exigia?
É claro que naquela manha, não pensei desta forma, queria era mesmo ficar na cama. E foi o que fiz!
Pus-me de barriga para baixo e fiquei a observar através da vidraça o que se passava lá fora. Devido ao facto da cama ter um orifício que provavelmente teria a ver com a estética ou com a tendência da altura, era-me permitido observar tudo o que se passava lá fora, sem que ninguém desse por isso. E foi agradável ser por uns momentos uma coscuvilheira. Foi divertido poder observar as pessoas que em tempos me seguiam todos os paços, foi como que uma sensação de poder sobre elas, como se desta vez não era eu que me devia sentir incomodada mas sim aquelas pessoas que antes tão me infernizaram a vida e que agora estão mais velhas, e que não têm nada para observar. Gostei de ser a ‘má da fita’ uma vez…gostei de ser a verdadeira pessoa má! Porque antes eu poderia ser aos olhos dos outros um ser abominável, mas na realidade eles é que eram os verdadeiros maus…eram os outros que faziam mal! Foram os outros que estragaram a infância a uma menina que era apenas diferente ao protótipo que eles criaram na sua sociedade, foram eles que me tiraram toda a alegria e vontade de ser eu mesma! Foram eles!
Senti que a raiva começava a apoderar-se de mim e quando isso acontecia, o meu outro eu aparecia e revelava-se e isso ia estragar o meu disfarce. Por isso, tentei pensar rapidamente noutra coisa que me fizesse esquecer aquele assunto. Lembrei-me que tinha sonhado e que tinha sido um sonho mesmo muito estranho. Tentei lembrar o máximo daquele pesadelo tão invulgar. Escrevi o que me ia lembrando para não correr o risco de esquecer também o que me lembrava naquele momento. Tinha que descobrir o motivo daquele sonho. Tinha de descobrir qual o significado daquele sonho, qual o motivo da sua existência.

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