quarta-feira, 17 de outubro de 2012


Era isso! O Pedro falou-me de Freud. Tinha sido aquele homem um dos primeiros interessados na matéria dos sonhos. Foi ele que fez o primeiro estudo sobre a interpretação dos sonhos, foi Freud que através da psicanálise interpretava os sonhos. Encontrei logo um bom motivo para me levantar da cama. Corri para o computador e fiz uma pesquisa sobre Freud e o seu método. Mas não encontrava nada daquilo que desejava. Então decidi ligar ao Pedro para ele me dar alguma informação, alguma dica sobre o tema. Queria mesmo perceber o método de Freud!
O Pedro ficou obviamente felicíssimo com o meu interesse! Recordou-me que apesar de estar de “férias” não devia descurar dos estudos e da aprendizagem e eu para o fazer um pouquinho mais feliz disse que era isso que pretendia fazer. Este tinha um livro de Freud que era o mais indicado para eu me iniciar, porque era aquele primeiro livro que me ajudaria a perceber o método mais específico. Atencioso como sempre, pediu-me a morada do local onde estava instalada para me enviar o livro. Expliquei-lhe que iria ter companhia por cá e que ele poderia mandar o livro pelo Luís e assim não gastaria dinheiro. Desligou-me o telemóvel praticamente na cara e passada cerca de uma hora (ai de mim que ele se apercebesse que eu adormeci naquele intervalo de espera) ligou-me a dizer que já tinha entregado o livro aos meus pais. Também tinha uma mensagem deles a dizer que o Luís e a Patrícia chegariam a casa na manha seguinte.
Teria mais um dia por minha conta. Finalmente, vi as horas: era quase uma e meia. Fiquei logo cheia de fome e teria ainda de ir comprar qualquer coisa para cozinhar pois a despensa estava completamente vazia.
Levantei-me e olhei mais uma vez lá para fora. Dali conseguia avistar a casa da Dona Olga. E ela tinha um pequeno mini mercado. Poderia ir lá ver se ele ainda existia, senão teria de ir procurar a outro lado.
Desci até à casa de banho para tomar um duche rápido e arranjei-me para sair. Comi uma barrinha de cereais que estava perdida na minha mala e parti à procura de um estabelecimento com algo que fosse possível cozinhar. 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012


Acordei tarde, o sol já ia alto. Apercebi-me de que iria precisar de um relógio (de preferência despertador), pois estava completamente perdida no tempo, sem noção de horas e sem vontade nenhuma de as ir descobrir. A preguiça era tanta! Se o meu tutor, o Pedro, me visse, se imaginasse que eu ainda estava na cama, matava-me! Obrigava-me logo a tomar um duche de água fria e fazer uma vasta gama de exercícios. Lembro-me de que, por vezes, ele apanhava com o meu mau humor, tão cómico para ele, e que, quando a minha irmã decidia “aparecer”, ele ainda não era capaz de se sentir completamente à vontade comigo. Era como se aquilo o assustasse, como se tivesse medo que lhe fizesse algum mal. De início, incomodava-me aquela sua atitude pois sentia-me incomodada, tinha medo que ele me julgasse ou que corresse ao mundo dizendo que eu era uma aberração, mas com o passar do tempo ele foi-se habituando e eu apurei o meu sentido de humor em relação a este assunto e entrava na brincadeira: assustava-o, dizia que o ia amaldiçoar, entre outros. Resultou durante uns tempos, depois ele passou a conhecer-me melhor e a saber quando eu estava a fingir.
Senti uma repentina falta do Pedro. Afinal, ele era o único amigo que eu tinha. Em seis anos, o Pedro foi o meu único companheiro. Era ele que me ajudava em tudo, era ele que brincava comigo, foi ele que me deu a conhecer o mundo. Era como se fosse um irmão mais velho. Ai se ele estivesse a ler os meus pensamentos…ficava tão convencido que nunca mais ninguém o calava e eu nunca mais poderia resmungar pelas suas exigências porque afinal até gostava da forma de ensino dele. Ainda bem que a única “anormal” ali era eu!
Ri-me com esta afirmação. Fitei o quarto com os olhos à procura do meu telemóvel para consultar as horas. Lá estava ele: em cima da cómoda. Mas porquê ali?! Para consultar as horas teria de me levantar e de me arrastar praticamente para ver apenas as horas, só para saber se acordei muito tarde ou se já eram horas de fazer alguma coisa! Mas ainda não tinha fome, não tinha vontade de sair da cama…para quê fazer o sacrifício de sair daquele ninho confortável, se o meu corpo não o exigia?
É claro que naquela manha, não pensei desta forma, queria era mesmo ficar na cama. E foi o que fiz!
Pus-me de barriga para baixo e fiquei a observar através da vidraça o que se passava lá fora. Devido ao facto da cama ter um orifício que provavelmente teria a ver com a estética ou com a tendência da altura, era-me permitido observar tudo o que se passava lá fora, sem que ninguém desse por isso. E foi agradável ser por uns momentos uma coscuvilheira. Foi divertido poder observar as pessoas que em tempos me seguiam todos os paços, foi como que uma sensação de poder sobre elas, como se desta vez não era eu que me devia sentir incomodada mas sim aquelas pessoas que antes tão me infernizaram a vida e que agora estão mais velhas, e que não têm nada para observar. Gostei de ser a ‘má da fita’ uma vez…gostei de ser a verdadeira pessoa má! Porque antes eu poderia ser aos olhos dos outros um ser abominável, mas na realidade eles é que eram os verdadeiros maus…eram os outros que faziam mal! Foram os outros que estragaram a infância a uma menina que era apenas diferente ao protótipo que eles criaram na sua sociedade, foram eles que me tiraram toda a alegria e vontade de ser eu mesma! Foram eles!
Senti que a raiva começava a apoderar-se de mim e quando isso acontecia, o meu outro eu aparecia e revelava-se e isso ia estragar o meu disfarce. Por isso, tentei pensar rapidamente noutra coisa que me fizesse esquecer aquele assunto. Lembrei-me que tinha sonhado e que tinha sido um sonho mesmo muito estranho. Tentei lembrar o máximo daquele pesadelo tão invulgar. Escrevi o que me ia lembrando para não correr o risco de esquecer também o que me lembrava naquele momento. Tinha que descobrir o motivo daquele sonho. Tinha de descobrir qual o significado daquele sonho, qual o motivo da sua existência.

segunda-feira, 2 de julho de 2012


Escuridão. Frente á escuridão, caminhava passo a passo. Ao longo da minha caminhada, a respiração era cada vez mais ofegante e os meus passos mais e mais pesados. Sentia-me encurralada e parecia que caminhava sobre uma passadeira rolante sem nunca sair do meu lugar. Sabia que não tinha medo do escuro, mas como quase todos os seres humanos, desde o início da minha caminhada, à qual não sabia o motivo para a ter começado, parecia ser seguida. Contudo, não tinha coragem de olhar para trás.
Era assustador imaginar o que podia encontrar atrás de mim: entre tantas figuras, tantas possibilidades, encontrar apenas escuridão era uma possibilidade quase nula. Mas, também graças à escuridão profunda em que me encontrava e às voltas que sentia ter dado ao longo da minha enorme caminhada encontrar escuridão seria o mais provável quando me virasse. Talvez, até já me tenha virado antes sem dar conta, por isso encontrar escuridão parecia-me agora uma possibilidade maior, pois não iria ver nada através dessa densa escuridão mesmo que houvesse atrás de mim, seguindo-me como uma sombra, algo ou alguém.
Mas também podia parar e se, sim, houvesse uma sombra que não fosse a minha a seguir-me, perceberia imediatamente. Afinal, se não vejo através daquela escuridão mais ninguém podia ver e essa sombra chocaria em mim tal como uma pessoa que quando é levada pelo ritmo da cidade e pára, seja por que motivo for, encontra alguém que colida com ela pois esta também ia seguindo o ritmo da cidade tal como uma melodia onde pausas são inesperadas ou então representam o fim da mesma.
E se decidisse parar, e algo ou alguém colidisse comigo? Como reagiria? Ou melhor, como seria essa figura? Que me faria? Ou será que também caminhava como eu: na escuridão sem saber por anda nem para onde vai?
Pensando em todas essas hipóteses o melhor e o mais seguro era não virar-me para trás e também o mais seguro era seguir em frente e não parar, apesar da fatiga ser maior e já se começar a apoderar de mim. Mas nunca poderia parar. Pelo menos enquanto não se fizesse luz.
Envolvida nos meus pensamentos, não me dou conta que abrando o meu ritmo. Agora este era demasiado lento e, sem o querer, tira todas as minhas dúvidas. Algo me seguia e agora estava envolvendo o meu corpo. Parecia cimento que começa por prender-me o movimento dos pés deixando-me imóvel e aos poucos e poucos vai mobilizando todo o meu corpo até chegar ao meu pescoço. Aí começo realmente a desesperar. O que seria aquilo? E o que me estava a fazer? Se me cobrisse a cabeça eu morreria? Ficaria imóvel? E depois disso, será que sentiria o tempo passar ou era mesmo morte certa? E como é depois da morte: é um sono daqueles em que se vê tudo preto ou há vida ou algo depois da morte? Aquela figura já me imobilizara a boca e toda a parte da cabeça. O fim estava próximo e o pânico dos meus pensamentos bem presente até que...
...acordo. Não passara de um pesadelo!
Ainda era cedo. Deveriam ser umas cinco horas da madrugada pois já havia no céu uma ligeira claridade mas tão pequena que era incapaz de impedir o sono de alguém. Recuperei do sobressalto. Não percebia o porquê daquele sonho nem se ele teria algum significado, mas estava tão cansada que acabei por adormecer de novo.

quinta-feira, 14 de junho de 2012


Como estava sozinha, decidi instalar-me no quarto principal. Teria de pensar numa forma de passar despercebida, visto que não era usual ir para uma casa deste género apenas uma pessoa. Decidi ir preparar qualquer coisa para jantar e aí pensaria no que fazer.
Sentada na mesa a olhar para o jardim, lembrei-me que poderia dizer que tinha chegado mais cedo que os meus pais, dizendo que vinha diretamente de um colégio. Contudo, isso iria permitir-me apenas ficar instalada mais um ou dois dias além de, no final, os meus pais terem de aparecer para virem passar uns dias comigo, o que iria ‘estragar’ o meu disfarce. Liguei aos meus pais e expliquei-lhes o sucedido na esperança de que eles me pudessem ajudar.
E assim foi. Eles conheciam um casal de namorados seus amigos e iriam pedir-lhes que fossem passar uns tempos lá a casa. O rapaz, Luís, que seria o meu irmão mais velho, e a Patrícia, a sua namorada, decidiram passar umas férias comigo, mas como eu vinha diretamente do meu (suposto) colégio, acabara por chegar mais cedo. Após algum tempo o meu pai ligou-me a confirmar a vinda de ambos. Eles chegariam amanha à noite ou depois de amanha.
Tendo um álibi perfeito, acabado de jantar e de arrumar a cozinha, instalei-me no quarto. Não arrumei as minhas malas porque em breve iria sair do quarto pois era mais do que justo deixar os pombinhos juntos na mesma cama e com um quarto só para eles.
Estava cansada e por isso acabei por adormecer rapidamente.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

O começo - 2


Espaço aberto, foi o que encontrei ao abrir a porta! Ao contrário do usual a porta principal não dava entrada para a frente da habitação, mas sim para um dos lados da casa, como se aquela se tratasse de uma porta secundária. Ao abrir a porta, avisto um pequeno balcão com um fogão e um forno a lenha, aquele em que eu adorava, em dias de inverno, aquecer-me! Mas só ao atravessar a porta, dando uns cinco passos para frente é que percebo a fantástica estratégia que os meus pais aplicaram! Aquela porta principal não deveria estar melhor adequada, pois ao entrarmos parece-nos ser uma casa vulgar mas quando olhamos em nosso redor é que nos apercebemos da fantástica estrutura arquitetónica ali feita! Era fantástica!
Ao desviar o meu olhar para a minha esquerda deparo-me com a “sala de jantar/estar”. Vejo um pouco mais ao lado outra porta e mesmo ao lado dessa porta umas escadas em caracol que davam acesso ao andar superior da casa que era como que uma varanda interior, cobrindo toda a sala e dando vista para a cozinha!
Decidi ir explorar! A sala que estava ao meu lado era simplesmente soberba! Parecia que eu mesma já a teria imaginado alguma vez! Com uma lareira gigante a sala apresentava-se frente à mesma com uma mesa de madeira de carvalho, que parecia ter sido já usada num palácio devido à sua dimensão e aos minuciosos detalhes que apresentava! O mais impressionante é que estava em excelente estado, apesar de ser usada semana após semana por diversas pessoas! Penso que os meus pais conseguiram mais do que um simples lar de repouso. Eles conseguiram criar um lar que é respeitado! E na minha opinião, é muito importante respeitarmos o nosso lar! É lá que passamos importantes momentos da nossa vida, desde uma pequena conquista, a uma discussão, desde um carinho, a um abrigo nas tempestades…que somos nós sem um lar?! Penso que nada, ou muito pouco!
Continuei a percorrer a sala, no canto esquerdo desta encontravam-se pequenos sofás, tão baixos que quase poderíamos dizer estarmos sentados no chão, e à frente destes estava uma pequena mesa que eventualmente seria para pousar o comando da TV ou um copo com bebida, ou até um balde de pipocas para se saborear enquanto se via um filme. Sentados àquele nível era possível termos a sensação de estar num cinema! E eu nunca estive num, apenas os conheço pelos livros! Mas agora, poderia desfrutar do prazer tão falado de se ver um filme no cinema! Eu tinha o Meu cinema particular! Sentei-me num dos sofás, respirei fundo, ainda tinha muito para ver! Fitei os meus olhos no chão e encontrei um lindíssimo tapete, daqueles que parecem vir da Índia! Fiquei fascinada! Queria vê-lo melhor mas não me atrevi a arrastar a mesa com medo de o estragar! Deixaria isso para amanha! Decidi ir ver o resto da casa. Ia dirigir-me para a porta desconhecida no canto direito da sala, mas fico presa à vidraça que me dava vista para o encantador jardim traseiro. É impossível não prender o olhar naquele jardim…e de repente, dou conta! O vidro leva-me como que ao passado e recordo-me do jardim da minha infância. À vista de todos os meus vizinhos, recordo-me do dia em que baloiçava no meu baloiço, que era um momento em que realmente me sentia bem e de ter levado com uma garrafa que acertou no baloiço, desfez-se em cacos e infelizmente me acertou numa perna que estava destapada pelo vestido devido ao impulso que o ar fazia. Desde esse dia que o baloiço deixou de existir. Desde esse dia que deixei de brincar naquele jardim…de um momento para o outro sou como que puxada para a realidade e agora estava de novo a olhar para o pacato jardim, longe de todas as pessoas maldosas. Sigo o percurso inicialmente pensado, sigo para a porta que parece representar algo de misterioso pois faz uma pequeníssima abertura em forma de trevo invisível para o lado de dentro. O que estaria no outro lado daquela porta? Tento abri-la, mas como está perra dificulta-me a ação. Abro-a…e…
…um casa de banho! Claro! Todas a as casas precisam de um WC senão era impossível uma pessoa estar lá! Aquelas aberturas devem servir de sistema para a circulação do ar daquele compartimento. Não via uma casa de banho tão original desde que fui com 7 anos ao psicólogo e o interior de o WC de lá estava estampada cheia de caras enormes a sorrir e a olhar para mim, o que me deixou bastante constrangida na altura! Esta era também muito original, tinha uma banheira muito antiga pintada em cor de pérola sem qualquer resguardo para quem tomar banho e o chuveiro que tinha um ar muito antigo, parecia ser o chuveiro que existia na casa da avó, feito em bronze. O lavatório tinha um espelho que estava dentro da parede, sendo impossível pegar-lhe, pois era como parte da parede, tal como o pequeno armário que também estava no interior da parede. Penso que esta ideia de meter as coisas incorporadas na parede foi excelente por parte dos meus pais, pois assim ninguém poderia levar embora, já que a casa de banho (tal como parte do andar de cima, com os quartos) não tinha qualquer sistema de vigilância.
Vista a casa de banho subi as escadas que me deram acesso a um compartimento que pessoalmente, achei maravilhoso: uma pequena saleta com quatro cadeirões de pele, uma estante cheia de livros e um pequeno bar. Era definitivamente o espaço mais resguardado daquela casa, tanto pela localização, afastada do resto dos compartimentos e o único com quatro paredes, como pela sua discrição. Ali parecia ser um lugar destinado apenas a assuntos importantes!
Ainda nessa espécie de sala de culto havia ligação para um corredor onde era possível vermos a cozinha e a entrada principal. Reparei no grandioso candeeiro que iluminava toda a casa no andar inferior! Era feito todo ele em metal que agora parecia adquirir uma cor ferrugenta e tinha pequenos arcos virados simultaneamente para o interior e exterior do candeeiro. Deveria ter pelo menos uma tonelada! Parecia ser o candeeiro de um salão de festas de um castelo de outras eras! Fiquei a deslumbra-lo mais alguns minutos e fui espreitar os restantes compartimentos do andar superior. Eram dois quartos: um de casal e outro com várias camaratas. Ambos eram presenciados com uma vidraça que ocupava toda a parede que estava defronte à entrada dos mesmos! Tinham vista para o jardim e para o exterior. Ninguém poderia ver o interior, como era hábito naquele lugar, pois os vidros eram refletores no lado exterior.
Tive de admitir. Os meus pais fizeram um trabalho extraordinário. Nunca me tinha perdido numa casa. Mas nesta sim, perdi-me no seu encanto. Sim, agora acredito, os meus pais não transformaram esta casa numa nova casa, mas sim transformaram esta casa num lar, num lugar onde todos se sentem bem, independentemente de lhes pertencer ou não! Eu própria que não reconhecia a minha casa, sentia que estava nela, que aquele era sim o meu lar!

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O Começo -1


E qual o melhor lugar por onde começar? Pela minha infância! Pois foi, eu decidi ir para a minha antiga casa. Mudei bastante desde que vim morar para cidade, o meu cabelo que antes era castanho, tendencialmente claro ficou completamente louro, deixou de ser grisalho e ficou comprido e com ondulações e muito bonitas! Pelo menos a minha mão diz que há muitas raparigas que iriam adorar ter um cabelo como o meu! Em pequena tinha uma pele bastante clara e desde que me mudei para aqui ganhei mais cor, fiquei mais morena pois comecei a sair um pouco mais à rua e tinha a felicidade de não ser perseguida ou vista como um monstro. O meu olhar, esse, não mudou! Os meus olhos continuaram castanhos, cor de avelã, mas se os virem ao sol, oh, sim, ficam lindos: verdes! De resto, cresci não muito mas o suficiente para mim, uns 165 cm de fazer inveja a muitas raparigas que se queixam ou de serem demasiado baixas ou demasiado altas! Engordei um pouco mas acho que mantenho uma boa aparência!
O importante é que poderia voltar àquele lugar sem ser reconhecida, sem estar sobre o olhar constante das pessoas!
E assim foi, pedi aos meus pais e ainda naquele fim-de-semana voltei à inesquecível porta nº 125 e que diferente que estava a minha casinha! Não parecia o lar onde eu vivi a minha infância, onde estive praticamente fechada dez anos da minha vida! Mas tinha de admitir que os meus pais fizeram um excelente trabalho naquele lugar! Mantendo o exterior em pedra, de portadas brancas, aquela casa conhecia um lindo jardim que nunca tive oportunidade de desfrutar, mas que agora (e finalmente!) se encontrava vedado e alheio às casas vizinhas.
O jardim apesar de pequeno poderia ser o sonho de um pequeno artista, um lugar onde facilmente se conseguiria inspiração para uma obra de arte, ou para compor uma música, ou até mesmo para se escrever um livro, quem sabe! Este servia de cenário para qualquer musa, para o desenrolar de qualquer romance tórrido que despertaria emoções fortes, quase reais a quem o lesse. Poderia ser o som das árvores quando tocadas pelo vento, o som da água a correr, o simples som dos pés a pisarem aquela relva fonte de inspiração ou até mesmo o reflexo de uma melodia que, num ápice, seria ali criada e que encheria auditórios inteiros durante anos a fio e que deixaria as pessoas de lágrimas nos olhos perante tal audácia, tal melodia que embala o coração, melhor ainda, que tocaria a alma das pessoas! Frontalmente, o jardim era todo em relva com uma simples oliveira que servia de ponto de abrigo a casais felizes de aves enamoradas e dos seus ninhos e tinha ainda uma hera agarrada ao alpendre que dava entrada para o interior da habitação. Lateralmente o jardim ainda cheio de relva dava ligação às traseiras através de um caminho feito em pedrinhas, como se se tratasse de um pequeno trilho para uma gruta de um tesouro…e que tesouro! Tesouro seria uma palavra que serviria para descrever o pequeno mas encantador jardim das traseiras. Com um pequeno canteiro de margaridas, rosas e um azevinho, com um imponente plátano que proporcionava uma ótima sombra para um almoço no jardim nos dias de maior calor. Junto ao seu caule se encontravam umas espreguiçadeiras para quem quisesse descansar longe do calor ou para quem quisesse simplesmente passar uma tarde mais relaxada. Tinha ainda uma pequena (mas mesmo pequena) piscina alimentada por uma pequena fonte que jorrava água bastante cristalina e que me era bem apetecível!
Contudo, a curiosidade era maior e eu estava ansiosa para ver o interior da minha antiga casa! 

quarta-feira, 6 de junho de 2012

O começo...


Não é fácil começar. Nunca foi. Por onde começar? Pois claro, pelo início!
Chamo-me Isabel, tenho 24 anos e sou possuída por dois espíritos.
Dois espíritos?! Possuída?! – Sim! Eu sou a Isabel, tenho 24 anos e sou possuída por dois espíritos. Ok, deixem-me explicar-vos desde início. Explicar-vos implica assim, contar a minha história.
Nasci no seio de uma família humilde e que não acreditava em coisas sobrenaturais. Por isso, como devem imaginar, não foi nada fácil para a minha família e para mim também (pois também cresci num meio que considerava estas vidas impossíveis) acreditarmos e acima de tudo, aceitarmos essa explicação para o “meu caso”.
Prosseguindo, o meu parto foi complicado. A minha mãe esperava gémeas e apenas nasci eu.
O que aconteceu? Até hoje ninguém tem resposta. Fala-se em erro médico e que na verdade ela não estava à espera de gémeas mas sim de mim, mas a minha mão recusa-se a aceitar esta hipótese.
Sinceramente, eu também recuso-me a aceitar tal justificação pois acredito que a morte da minha irmã é uma resposta, uma explicação para o que me aconteceu e ainda continua a acontecer.
Acontecer?! Isto é uma coisa perfeitamente normal! Devem existir dezenas de “casos” como o meu…talvez até centenas! Basta as pessoas aceitarem o facto de que há gente possuída por dois espíritos e não as considerarem doidas! Não sei quantas pessoas serão, mas poucas é que não!
Bem, eu sou antes uma pessoa perfeitamente normal, mas sou única…só eu sou assim…era o que pensava até conhecer pessoas tão ou mais extraordinárias que eu. Mas isso é mais frente.
Desde pequena que vivo com feitios tão diferentes. Inicialmente os meus pais acharam uma coisa da idade, algo perfeitamente normal.
Contudo, eu fui crescendo e aos meus 10 anos ainda falava sozinha ao espelho fazendo de duas pessoas totalmente diferentes. E foi neste momento que os meus pais começaram a preocupar-se com o meu estado de saúde mental. Consultaram psicólogos, psiquiatras, neurologistas e tantas outras espécies de meios que é difícil recordar! Até o padre me veio visitar convencidíssimo de que estava a ser vítima da obra do diabo e que iria fazer tantas maldades que o mundo conheceria o seu fim, mal eu me revelasse! Imaginem o que sentiram os meus pais ao ouvirem tais ideias, tais hipóteses.
Pela aldeia onde vivia fui considerada uma espécie de monstro. Todos tinham medo de mim e diziam que eu deveria receber banhos de água benta, devei ser exposta sobre a luz solar, deveria ser tocada com terços e cruzes e que deveria ser ainda trancada na igreja durante uma noite para que Deus me tocasse e me libertasse daquele mal.
Cansados de todas aquelas sugestões, curas e acima de tudo cansados das perseguições, acabei por me mudar com a minha família para a cidade onde poderia ser educada em casa, e quando saísse à rua, conseguiria passar despercebida.
Assim vivi até aos meus 16 anos. Nesta idade, o meu tutor já me tinha dado conhecimentos equivalentes ao ensino secundário. Já estava preparada para concorrer à universidade. Mas era ainda muita nova para poder entrar em qualquer instituto. Teria de esperar pelo menos mais dois anos.
Foi neste momento que eu decidi auto educar-me, aprender a controlar-me e a conviver com a minha estranha maneira de ser.
E foram estes anos, em que eu pus a minha decisão em prática, aqueles que a meu ver foram os mais educativos, foram os mais construtivos e mais bem empreendidos na minha vida, tanto a nível pessoal como a nível cultural, pois de que vale ser um génio, se não conseguimos mostrar ao mundo aquilo de que somos capazes? É preciso saber, mais do que fórmulas matemáticas e processos físicos e químicos, conviver com as pessoas, saber as regras de uma sociedade, é preciso aprender a saber estar em grupo!
Naqueles seis anos em que vivemos na cidade, os meus pais tiveram a sorte de conseguirem abrir um negócio que se tem mostrado próspero e em expansão. A casa que deixamos, foi remodelada, investimento feito com as poupanças dos meus pais, e reaberta para fins turísticos. Muitas pessoas, casais, famílias, grupos de amigos, vieram alugar a casa para fins-de-semana, para festas, para ocasiões especiais, para férias rurais, para convívios, entre tantos outros fins. E assim, conseguiram dinheiro para abrirem mais três casas: uma dedicada a receber grupos de crianças, para nas férias serem feitas colónias e durante o resto do ano para ser usada para workshops diversos, ateliês, cursos e coisas desse género. A segunda casa foi mais como uma quinta onde se realizavam grandes festas como casamentos, passagens de ano, jantares importantes, tudo o que fosse festas com muitas pessoas e onde o ambiente calmo e livre fosse o desejado. A terceira habitação teve o mesmo fim que a nossa antiga casa: serviu para aluguer mas com características relativamente diferentes, tal como o ambiente em que se encontrava exigia.
Assim, a minha família já se poderia considerar rica, pois levávamos uma vida muito próspera e tínhamos bastantes poupanças! Por isso não foi difícil para os meus pais satisfazerem o meu desejo de me autoeducar e de me aventurar sozinha no mundo, onde o seu estado real era tão desconhecido para mim!
Pelo que estudei, o mundo tem cerca de 510 072 000 km2! Mas sinceramente, qual era a importância de saber a superfície terrestre se não sabia como era percorrer 1km que fosse? Como poderia saber se a Terra era grande ou não, se não sabia se 1 km era muito ou pouco…por isso é que eu tinha de ir à descoberta! Descobrir se o Mundo era grande, se era uma fonte inesgotável de descoberta ou se era apenas um lugar onde todos os cantos eram já explorados e onde os conhecimentos que poderia adquirir caberiam só na palma da minha mão.
E então parti em descoberta pelo mundo fora!
E qual o melhor lugar por onde começar? Pela minha infância!