Não é fácil começar. Nunca foi. Por onde
começar? Pois claro, pelo início!
Chamo-me Isabel, tenho 24 anos e sou possuída
por dois espíritos.
Dois espíritos?! Possuída?! – Sim! Eu sou a
Isabel, tenho 24 anos e sou possuída por dois espíritos. Ok, deixem-me
explicar-vos desde início. Explicar-vos implica assim, contar a minha história.
Nasci no seio de uma família humilde e que não
acreditava em coisas sobrenaturais. Por isso, como devem imaginar, não foi nada
fácil para a minha família e para mim também (pois também cresci num meio que considerava
estas vidas impossíveis) acreditarmos e acima de tudo, aceitarmos essa
explicação para o “meu caso”.
Prosseguindo, o meu parto foi complicado. A
minha mãe esperava gémeas e apenas nasci eu.
O que aconteceu? Até hoje ninguém tem
resposta. Fala-se em erro médico e que na verdade ela não estava à espera de
gémeas mas sim de mim, mas a minha mão recusa-se a aceitar esta hipótese.
Sinceramente, eu também recuso-me a aceitar
tal justificação pois acredito que a morte da minha irmã é uma resposta, uma explicação
para o que me aconteceu e ainda continua a acontecer.
Acontecer?! Isto é uma coisa perfeitamente
normal! Devem existir dezenas de “casos” como o meu…talvez até centenas! Basta
as pessoas aceitarem o facto de que há gente possuída por dois espíritos e não
as considerarem doidas! Não sei quantas pessoas serão, mas poucas é que não!
Bem, eu sou antes uma pessoa perfeitamente
normal, mas sou única…só eu sou assim…era o que pensava até conhecer pessoas
tão ou mais extraordinárias que eu. Mas isso é mais frente.
Desde pequena que vivo com feitios tão
diferentes. Inicialmente os meus pais acharam uma coisa da idade, algo
perfeitamente normal.
Contudo, eu fui crescendo e aos meus 10 anos
ainda falava sozinha ao espelho fazendo de duas pessoas totalmente diferentes.
E foi neste momento que os meus pais começaram a preocupar-se com o meu estado
de saúde mental. Consultaram psicólogos, psiquiatras, neurologistas e tantas
outras espécies de meios que é difícil recordar! Até o padre me veio visitar
convencidíssimo de que estava a ser vítima da obra do diabo e que iria fazer
tantas maldades que o mundo conheceria o seu fim, mal eu me revelasse! Imaginem
o que sentiram os meus pais ao ouvirem tais ideias, tais hipóteses.
Pela aldeia onde vivia fui considerada uma
espécie de monstro. Todos tinham medo de mim e diziam que eu deveria receber
banhos de água benta, devei ser exposta sobre a luz solar, deveria ser tocada
com terços e cruzes e que deveria ser ainda trancada na igreja durante uma
noite para que Deus me tocasse e me libertasse daquele mal.
Cansados de todas aquelas sugestões, curas e
acima de tudo cansados das perseguições, acabei por me mudar com a minha
família para a cidade onde poderia ser educada em casa, e quando saísse à rua,
conseguiria passar despercebida.
Assim vivi até aos meus 16 anos. Nesta idade,
o meu tutor já me tinha dado conhecimentos equivalentes ao ensino secundário.
Já estava preparada para concorrer à universidade. Mas era ainda muita nova
para poder entrar em qualquer instituto. Teria de esperar pelo menos mais dois
anos.
Foi neste momento que eu decidi auto
educar-me, aprender a controlar-me e a conviver com a minha estranha maneira de
ser.
E foram estes anos, em que eu pus a minha
decisão em prática, aqueles que a meu ver foram os mais educativos, foram os
mais construtivos e mais bem empreendidos na minha vida, tanto a nível pessoal
como a nível cultural, pois de que vale ser um génio, se não conseguimos
mostrar ao mundo aquilo de que somos capazes? É preciso saber, mais do que
fórmulas matemáticas e processos físicos e químicos, conviver com as pessoas,
saber as regras de uma sociedade, é preciso aprender a saber estar em grupo!
Naqueles seis anos em que vivemos na cidade,
os meus pais tiveram a sorte de conseguirem abrir um negócio que se tem
mostrado próspero e em expansão. A casa que deixamos, foi remodelada,
investimento feito com as poupanças dos meus pais, e reaberta para fins
turísticos. Muitas pessoas, casais, famílias, grupos de amigos, vieram alugar a
casa para fins-de-semana, para festas, para ocasiões especiais, para férias
rurais, para convívios, entre tantos outros fins. E assim, conseguiram dinheiro
para abrirem mais três casas: uma dedicada a receber grupos de crianças, para
nas férias serem feitas colónias e durante o resto do ano para ser usada para
workshops diversos, ateliês, cursos e coisas desse género. A segunda casa foi
mais como uma quinta onde se realizavam grandes festas como casamentos,
passagens de ano, jantares importantes, tudo o que fosse festas com muitas
pessoas e onde o ambiente calmo e livre fosse o desejado. A terceira habitação
teve o mesmo fim que a nossa antiga casa: serviu para aluguer mas com
características relativamente diferentes, tal como o ambiente em que se
encontrava exigia.
Assim, a minha família já se poderia
considerar rica, pois levávamos uma vida muito próspera e tínhamos bastantes
poupanças! Por isso não foi difícil para os meus pais satisfazerem o meu desejo
de me autoeducar e de me aventurar sozinha no mundo, onde o seu estado real era
tão desconhecido para mim!
Pelo que estudei, o mundo tem cerca de 510 072 000 km2! Mas sinceramente, qual era a
importância de saber a superfície terrestre se não sabia como era percorrer 1km
que fosse? Como poderia saber se a Terra era grande ou não, se não sabia se 1
km era muito ou pouco…por isso é que eu tinha de ir à descoberta! Descobrir se
o Mundo era grande, se era uma fonte inesgotável de descoberta ou se era apenas
um lugar onde todos os cantos eram já explorados e onde os conhecimentos que
poderia adquirir caberiam só na palma da minha mão.
E então parti em descoberta pelo mundo fora!
E qual
o melhor lugar por onde começar? Pela minha infância!